O CORPO
ESPACIALIZA. O CORPO SOCIALIZA. O OLHAR AFAGA OU VIOLENTA.
A mini oficina sobre “A Fotografia como Metodologia de
Ensino na Educação básica”, apresentada no ENEPET – evento anual que reúne os
grupos PET da região do nordeste – de 2019 proporcionou a mim e ao PET Cinema a
oportunidade de estar em contato direto com um debate promovido de extrema
importância, emergência e urgência. O tema da oficina coincide diretamente com
as propostas de horizontalização das pesquisas do PET Cinema e num amplo
sentido proporcionou uma visão tão
válida da imagem e o ensino que ela transmite que acredito na importância de
ser compartilhada as ideias da mini oficina.
Enquanto “Cinema e Educação” como tema em que
trabalhamos todas nossas pesquisas e subtemas, estar em uma oficina que
trabalha a fotografia (tanto a fotografia comum, quanto a de audiovisual) como
método de ensino na educação básica é ter a oportunidade de compreensão em
outros níveis do que nós mesmos buscamos enquanto educação e como a imagem pode
ser objeto de aprendizado.
Seguindo nossa linha de pesquisa e em busca de todo material
de ampliação de ideias e propostas, o tema da mini oficina não apenas contempla
o segmento do audiovisual que compõe o cinema, como também a maneira que foi
ministrada pelo grupo que a organizou viabiliza a ressignificação da fotografia
e como usá-la para ações afirmativas e de permanência.
A mini oficina acaba por se planificar na proposta do
Cinema e Educação e se estende para o tema anual atual da nossa pesquisa,
“Infância, Juventude e Territorialidade”. Nosso tema valoriza a
horizontalização dos mais amplos gêneros de afirmação com relação ao espaço e
suas mais variadas noções, desde estruturas e espaços institucionais, até como
a sexualidade, a raça, a classe, deficiências, espaços extras físicos como
redes sociais e jogos, etc. influenciam na relação da criança e do jovem com o
corpo ocupando ou não, sendo aceito ou renegado em seu espaço.
Pensar no corpo em cena como assunto fotográfico de
maneira política e que rompe com a hegemonia visual e estética é considerar o
corpo como território e pertencimento espacial. Meu contato, pois então, com a
mini oficina não poderia ter me permitido mais objetividade e clareza possível.
Se desdobrando na apresentação primária do problema e
exposição de forma provocativa de suas análises, a oficina de “fotografia como
metodologia de educação” começou afirmando sobre uma “Ditadura da saturação da imagem”. No sentido semântico, saturar
nos dá o entendimento daquilo que é carregado, que enche e farta; existe uma
narrativa visual e estética na fotografia e audiovisual hegemônica que pouco
valoriza a diversidade e foge desse padrão majoritariamente Hollywoodiano norte
americano e eurocentrado, sendo esse padrão visual um padrão que satura
diariamente nossos meios de comunicação.
E por meios de comunicação pauta-se toda e qualquer
plataforma de uso da imagem. Instagram, facebook, whatsapp, séries e seriados,
novelas convencionais da tv aberta, filmes selecionados com seus direitos
comprados e apresentados também na rede aberta e fechada, propagandas, folders,
banners, promoção de marcas e roupas, histórias infantis, em quadrinhos,
desenhos infantis etc. Todo material visual consumido e imposto desde nossa
infância é saturado de uma linguagem que valoriza apenas o hegemônico, desde a
estética dessas linguagens (iluminação que não valoriza peles negras, por
exemplo) até o assunto dessas imagens (sempre pessoas padrões e modelos de
consumo que implicam na formação de status
social por meio da posse de bens como celulares de última geração, por
exemplo).
Compreendendo isso (partindo da premissa de que exista
essa proposta de desconstrução geral), é de responsabilidade de educadores e
educandos permitirem e promoverem o rompimento com esse padrão estético-visual
que não busca os corpos marginalizados para serem postos em cena. É preciso
lembrar que fotografias contam histórias por meio do direcionamento dos olhos,
logo, é preciso buscar afetividade na
fotografia e aproximação com a realidade visual.
É a busca do que se chamou da horizontalização dos corpos enquanto assunto. Tem-se assim a
fotografia enquanto um processo, e não enquanto apenas um recurso, o que por si
só viabiliza a potencialização de aspectos despercebidos.
Quando tocamos nesse processo de horizontalização de
corpos estamos querendo promover a sensibilidade do espectador e público
imaginado. Todos podem admirar um
trabalho pela sua beleza, mas todo assunto pode e deve ser contemplado (verbos e ações que carregam grandes diferenças, uma
vez que o que contempla corpos marginalizados é, por sua vez, se ver
representado). A contemplação parte do processo de viabilizar pertencimento
ante algo.
O quanto corpos negros, lésbicos, deficientes, corpos
gordos e tidos como errantes cientificamente, o quanto corpos marginalizados
são contemplados quando quem os fotografa está inserido em uma supremacia
branca padronizada que propaga violência que esses corpos sofrem diariamente? Se
corpos marginalizados são registrados sob a ótica daqueles que pertencem ao
grupo que socialmente o oprime obtém-se a insensibilidade e distância dos
corpos.
Corpos elitizados fotografarem e registrarem corpos
marginalizados impõem diferenças de “ver”
e “enxergar”, o que está muito
além da estética, que ouso pontuar como um reflexo colonizador que sempre
buscou uma cultura hegemônica que desvaloriza diferenças e não respeita
pluralidades como base fortificante de uma nação e sociedade, mas sim como
evidências que precisam ser invisibilizadas.
Na era da imagem onde diariamente consumimos
compulsivamente material visual em redes sociais e publicidades excessivas, nos
depararmos com um padrão elitizado em que até a estética pouco valoriza
diferenças é reafirmar padrões hegemônicos e excludentes. Precisamos lembrar
que o corpo especializa, o corpo
socializa; o olhar afaga ou violenta.
Sendo assim, é dever do educador romper com aquilo que
oprime seus próprios educandos. É importante trazer imagens que representem os
alunos e os proporcione um novo olhar sobre seus próprios corpos. Um olhar
rompante com o que ditam sobre a marginalização dos seus corpos e que promova
um carinho, gentileza e um reconhecimento emponderador de suas existências
políticas. O corpo é político, logo o corpo ocupa espaço; o corpo espacializa.
O corpo, enquanto objeto social político é um espaço
que socializa ao carregar verdades históricas. Peles negras carregam 500 anos de
escravidão. Corpos lésbicos ditam o rompante máximo com o que é ser mulher para
a sociedade, isso é político. A gordura excessiva valorizada é o auge contra a
indústria da beleza. A acessibilidade a deficientes físicos ou cognitivos
permite a não aceitação do que eles dizem ser o ideal para convívio social.
Logo, o corpo enquanto objeto político, é um espaço que socializa ao performar
sua identidade e impor sua existência.
O corpo enquanto território que interfere nas leituras
e entendimentos se comunica e então se conclui que corpos marginalizados
dialogam de maneira afagadora com corpos que se identificam. É importante
valorizar produções visuais que respeitam essa regra, pois só assim a
permanência dos corpos se fará genuína e a ocupação dos espaços irá tornar
horizontal a simultaneidade das existências.
Nessa conceituação somos levados à questão do que é
violência estética na fotografia além do óbvio: VIOLÊNCIA TAMBÉM É AUSÊNCIA DE REPRESENTATIVIDADE. Para impor
violência em um corpo, basta invisibilizá-lo e apagar sua existência.
A fotografia contra hegemônica precisa sensibilizar o
invisível e, sob essa responsabilidade, é importante o exercício da comunicação
e construção de subjetividade.
Ser notado é existir. O invisível não é
alcançável.
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